sábado, 19 de novembro de 2011


Em 1877, quando o Brasil perdia José de Alencar, o pai do romance brasileiro, o historiador Manoel Ferreira Nobre publicava Breve Notícia sobre a Província do Rio Grande do Norte. É a primeira história do RN, impressa em Vitória, Espírito Santo, quando a Província dividia-se em 8 cidades, 15 vilas e 13 comarcas, e possuía 233.979 habitantes, dos quais 85% analfabetos; que sabiam ler e escrever, apenas 23.602 homens e 16.220 mulheres.

No final do século XIX, o diferencial da economia do RN era o algodão, a cana-de-açúcar e o gado.

Em 1971, a Editora Pongetti, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, fez uma segunda edição do livro de Manoel Ferreira Nobre, com notas e comentários de Manoel Rodrigues de Melo, que corrigiu alguns equívocos do nosso primeiro historiador.

Manoel Ferreira Nobre nasceu em 1824, em Ceará-Mirim. Foi deputado provincial, capitão da Guarda Nacional e oficial-maior da Assembleia. Faleceu em 1897, na cidade de Papari, atual Nísia Floresta.

134 anos depois da primeira edição, o Sebo Vermelho reedita, em edição fac-similar, Breve Notícia Sobre a Província do Rio Grande do Norte, leitura obrigatória para todo estudioso do RN colonial.




Abimael Silva
Sebista e Editor

domingo, 13 de novembro de 2011

A PRENSA E AS FONTES: DOM QUIXOTE NA OFICINA DE IMPRESSÃO – por Cellina Muniz


Este é o título de um dos capítulos que compõem o livro “Inscrever & Apagar”, de Roger Chartier, o renomado historiador do livro e da leitura. O livro trata de questões fundamentais para se pensar o livro como um objeto histórico e cultural e, especificamente nesse capítulo, Chartier toma o caso de Dom Quixote para rever como se organizavam as funções, técnicas e etapas imprescindíveis para a publicação de um livro no século XVII.
Segundo Chartier, a presença de uma oficina de impressão na narrativa de Cervantes (entre os capítulos LXI e LXVI) não é casual: “ela introduz, no próprio livro, o lugar e as operações que tornam sua publicação possível” (fato já identificado por Borges, aliás).
E prossegue o historiador:
Cervantes inicia seu leitor na divisão e multiplicidade das tarefas necessárias para que um texto venha a ser um livro: a composição das páginas pelos compositores (componer), a revisão das primeiras folhas impressas a título de provas (corregir), a retificação, pelos compositores, dos erros identificados nas páginas corrigidas (enmendar) e, finalmente, a impressão dos moldes, ou seja, do conjunto de páginas destinadas a ser impressas de modo idêntico, do mesmo lado de uma folha de impressão, pelos operários encarregados da prensa (tirar). (CHARTIER, 2007, p. 87-88).
A descrição de Cervantes coincide com o que regulavam diversos manuais de impressão e tipografia da época, todos destacando o papel do revisor. Segundo esses manuais apontados por Chartier, cabia ao revisor tanto identificar erros dos compositores, seguindo as provas impressas do texto a partir da leitura em voz alta da cópia original, como também atuar como censor, buscando (e recusando) algo que contrariasse a Inquisição, “a fé, o rei e a coisa pública”. O revisor, assim, era aquele que dava forma final ao livro, sendo preciso tanto compreender a caligrafia original como também perceber as intencionalidades do autor. Isso sem falar nos conhecimentos necessários para exercer seu ofício: gramática, teologia, direito e língua latina, além de alguns rudimentos sobre as técnicas de impressão.
Desse modo, o leitor do século XVII sequer poderia imaginar (como talvez ainda não imagine, no século XXI) que, se o corpo do livro é o resultado do trabalho de editores e impressores, sua alma não é confeccionada apenas pelo autor, mas recebe sua forma também daqueles que trabalham aspectos aparentemente banais, mas essenciais para a leitura de uma obra: pontuação, ortografia, paginação, estilo e textualidade, elementos que passam pelas mãos (criteriosas ou não) dos revisores de ontem e de hoje.
CHARTIER, Roger. Inscrever & Apagar. Tradução de Luzmara Curcino Ferreira. São Paulo: Editora UNESP, 2007.



terça-feira, 8 de novembro de 2011

Kurosawa e Jodorowsky: a simbiose da grande literatura e do quadrinho por João da Mata Costa



“A vida é tão curta, / se apaixone querida donzela, / enquanto seus
lábios ainda são rubros”. Kurosawa Viver 1952

Todas as artes estão relacionadas, e isso me adverte. Os “plongé e perspectivas dos quadrinhos – já centenário, foram utilizados no cinema.
Os quadrinhos, por sua vez, devem muito aos folhetins radiofônicos.
Lembro com saudades das novelas “ronda dos fantasmas” e “Jerônimo, o
herói do sertão”. Assustado e aventureiro percorri os becos da infância.
Depois fui vender revistas em quadrinhos, sem capa (muito mais barato),
nas portas dos cinemas e escolas. Muitos quadrinhos foram parar nas
telas do cinema. Muitos cineastas atuaram nas duas mídias. O Grande
Orson Wells fez época no rádio, antes de se consagrar no cinema.Em 1938,
o futuro diretor de Cidadão Kane produziu uma transmissão radiofônica
intitulada A Guerra dos Mundos, adaptação da obra homônima de George
Wellscausou pânico na população que pensava está sendo invadida por
marcianos. Federico Fellini desenhou o Flash Gordon e era fascinado pelo
“Mandrake”, do Falk e Davis. O grande ator italiano Marcelo Mastroianni,
dirigido pelo diretor de “A Doce Vida” tem muito do Mandrake.Diria mais;
não é possível conhecer a história da arte sem passar pelo genial e
eterno Fellini.

Outro grande diretor de teatro e cinema e roteirista de quadrinhos foi o
genial Alejandro Jodorowsky. Em 1957, Jodorowsky fez o filme “La
Cravate”. Um filme mudo rodado em Paris cujo roteiro era baseado num
conto de Thomas Mann, em que uma garota vende cabeças. Esse magnífico
diretor cult e anti-roliúde fez ainda os filmes A Montanha Mágica, El
topo e Fando y Lis. Filmes inquietantes, repletos de alegorias e
simbolismos. Filmes onde você pode encontrar o universo fascinante de
Frida Kahlo, o realismo fantástico, o surrealismo e o escambal.
Jodorowsky é um Chileno- Aquariano meu próximo. Nos quadrinhos ele se
imortalizaria como roteirista de alguns dos quadrinhos mais fascinantes
dos tempos modernos. Seus quadrinhos em parceria com o grande Moebius
(Incal)são obras primas.

No ano de 2010 foi comemorado pelos amantes da sétima arte o centenário do maior diretor de cinema japonês e um dos maiores do mundo. Seus filmes fazem sonhar e são partes da antologia fílmica mundial. O mundo passou a conhecer o Japão mítico e profundo dos samurais, a partir dos filmes do
Kurosawa que também tem uma grande aproximação com os quadrinhos. Ele desenhava os storyboards de cada plano de seus filmes. Dirigiu grandes obras primas como Viver, Rashmon, Ran, Dersu Uzala, Kagemusha, Trono Manchado de Sangue, Dodeskaden , Yojimbo, Os sete Samuraise Anjo Embriagado. Foi um apaixonado pela literatura russa e fez “O idiota” baseado em Dostoiévski e Ralé em Gorki. Tinha paixão pelos livros e thriller de Geoges Simenon. Baseado no Macbeth de Shakespeare dirigiu o belíssimo “Trono Manchado de Sangue”. O mais importante não é o porquê, mas o como. ” O modo com a coisa acontece pode não mostrar nada da coisa em si, mas mostra obrigatoriamente algo sobe as pessoas envolvidas no acontecimento e que fornece o como”

Apesar de sua grande estima por Dostoievsk – “É o escritor que escreve
com maior honestidade sobre a existência humana”, O Idiota não é o seu
melhor filme. Um dos filmes da minha predileção do Kurosawa é Viver e
seus flash — backs. Diretor de alguns dos maiores atores do cinema
Toshiro Mifune e Takashi Shimura. Dirigiu o belo Rashomon, vencedor do
Festival de Veneza de 1951, baseado em contos do grande escritor suicida
Ryunosuke Akutagawa. O que o escritor quis dizer é que a verdade é
relativa, com o corolário de não haver verdade alguma. E que cena
magistral: A velha rouba os cabelos dos cadáveres. Ela diz que rouba
apenas para sobreviver fazendo perucas dos cabelos roubados. O servo,
decide transformar-se em ladrão, a derruba levando suas roupas e dizendo
que a desculpa também valeria para ele. Dono de uma pontuação e cortes magistrais do cinema em belos wipes e grandes fades elegíacos, foi um dos maiores cineastas de todos os tempos e elevou o cinema á condição de uma das mais belas artes. Arte que faz sonhar e refletir sobre o grande mistério que é VIVER.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Umberto Eco e a Semiótica em Casablanca


Umberto Eco escreveu uma importante análise semiótica sobre Casablanca e considera que o filme trabalha com arquétipos que frequentemente reaparecem em narrativas e desempenham uma vaga sensação de dèjá vu: situações em que se tem a impressão de já ter visto ou vivido.

O filme permanece em nossa memória como um todo, pois apresenta não apenas uma idéia central, mas sim várias e isso o torna um Cult Movie. A semiótica parte da análise: de estrutura comum (common frame) que é situação estereotipada, seqüência de ações codificadas do dia a dia como, por exemplo, jantar no restaurante ou ir à estação de trem; de estrutura intertextual (intertextual frame) que é a situação estereotipada baseada em conhecimento prévio como o duelo entre o xerife e o bandido ou em narrativa onde o Herói enfrenta o Vilão e ganha, ou ainda como o suspeito que escapa de um posto de controle e é baleado pela polícia. Além disso, há a iconografia estereotipada como o Nazista Mal (Evil Nazi) que pode desenvolver uma estrutura intertextual.

O filme Casablanca tem início com uma música africana (gênero de filme de aventura) e depois muda para a Marselhesa (gênero de filme patriótico). Em seguida, sobre a imagem do globo, uma voz sugere uma reportagem (gênero de jornal cinematográfico) descrevendo a Odisséia de Refugiados e a rota Casablanca-Lisboa (gênero de Intriga Internacional).

Casablanca é a cidade que representa o Último Posto Avançado no Fim do Deserto. O Rick’s Café Américain incorpora a visão da Legião Estrangeira perto do Grande Hotel para onde pessoas vêm e vão e nada acontece. Neste café há o Inferno do Jogo em Macau ou Singapura (mulheres chinesas) e o Paraíso dos Contrabandistas. No café tudo pode acontecer: amor, morte, perseguição, espionagem, jogos de azar, sedução, música, patriotismo. Há a tentativa de fuga e a prisão de Ugarte (filme de ação) depois aparece o agente norueguês Berger (filme de espionagem). Pétain (Vichy) versus a Cruz de Lorena representam a oposição entre colaboracionismo e resistência (filme de propaganda de guerra). Victor Laszlo e Ilsa Lund – o Herói Incontaminável e a Mulher Fatal (ambos de branco) em contraste com os alemães que normalmente estão de preto e o casal é apresentado ao major Strasser que se apresenta de branco para reduzir a oposição visual. Ilsa e Strasser representam a Bela e a Fera. Depois que o café é fechado à noite, estão sozinhos Sam e Rick, pouco antes do flashback, eles são o Servo Fiel e seu Amado Mestre (Dom Quixote e Sancho Panza).

No início do filme, Rick Blaine aparece como sinédoque (sua mão) e metonímia (seu cheque). A sua personalidade complexa aflora como O Aventureiro, o Self-Made Businessman (dinheiro é dinheiro), o Homem Inflexível (Tough Guy) de filme de gangster, Nosso Homem em Casablanca (Intriga Internacional), o Cínico Sedutor (despreza Yvonne) e o Herói Hemingwayano (pois ajudou tanto etíopes como espanhóis contra o fascismo). O fato de não beber representa um problema, mas o flashback ajuda a introduzir o Amante Desiludido que se transforma no Amante Desesperado (Beber para Esquecer) para no fim ser o Bêbado Redimido. O Flashback representa O Poder da Memória para recordar o Encontro Breve (com Ilsa Lund) na Última Vez que Vi Paris.

Rick Blaine representa o Diamante Áspero: permite que o casal búlgaro obtenha o dinheiro necessário para os vistos de saída após ele ser ríspido com Annina Brandel; permite a execução da Marselhesa após ser ríspido com Victor Laszlo e negar a venda das cartas de trânsito; descobre que o Amor é para Sempre depois de dizer que Ilsa poderia atirar nele. Há a quinta essência do Drama na figura do Clímax depois de cada anti-climax.

Casablanca-Lisboa significa a Passagem para a Terra Prometida. Casablanca representa a Porta Mágica. Entretanto para se fazer a passagem deve-se submeter a um Teste. Há a Longa Espera do Purgatório. A Chave Mágica é a carta de trânsito. O Capitão Renault encarna o Guardião da Porta que deve ser conquistado pelo Presente Mágico (dinheiro ou sexo). A Chave Mágica não é comprada pelo dinheiro, pois é dada como Presente (recompensa pela Pureza). O Dono (da Chave) é Rick que dá dinheiro (de graça) para o casal búlgaro e ele também dá as cartas de trânsito (de graça) para Victor Laszlo. A Roleta de Vida ou Morte (Roleta Russa que devora fortunas e pode destruir a felicidade do casal búlgaro – Epifânia da Inocência).

Ao se sacrificar Rick consegue a Redenção. Os impuros não vão para a Terra Prometida (a América), mas para a Resistência (Rick e Renault) visando a Guerra Sagrada (Holy War) que é um glorioso Purgatório. Victor Laszlo vai para o Paraíso por ter sofrido com a clandestinidade. O avião é o Cavalo Mágico (na cena final há inclusive um emblema do cavalo Pegasus no avião).

A idéia de sacrifício perpassa todo o filme: o sacrifício de Ilse Lund em Paris quando ela abandona o homem que ama para voltar para o Herói Ferido; a jovem búlgara decidida a se sacrificar para ajudar o marido; o sacrifício de Victor Laszlo que está resignado a ver Ilse Lund e Rick Blaine juntos a fim de garantir a segurança dela.

O Amor Infeliz é arranjado em triângulo. Normalmente há o Marido Traído e o Amante Vitorioso. Neste caso ambos os homens são traídos e sofrem uma perda. Nesta derrota todavia há um elemento subliminar (Amor Platônico) que escapa do nível da consciência, pois Rick admira Victor, Victor é ambiguamente atraído pela personalidade de Rick: ambos chegam ao extremo de um duelo de sacrifício próprio em prol do outro. Como no livro As Confissões de Rousseau (1712-1778), a mulher é o intermediário entre os Homens, um jogo de virilidade, dança de sedução em torno da Bela. A resolução se dá com o Sacrifício Supremo (que permite que Victor e Ilsa partam juntos) e, assim, ocorre a Redenção de Rick Blaine.

Nota: O paper “Casablanca: Cult Movies and Intertextual Collage” foi apresentado por Umberto Eco no Simpósio “Semiotics of the Cinema: The State of the Art”, em Toronto, no Canadá, em 18 de junho de 1984.

O presente texto trata-se do capítulo "Umberto Eco e a Semiótica em Casablanca" do meu livro: Casablanca: Política, História e Semiótica no Cinema (ALL PRINT Editora, 2010)

BLOG do Livro
http://lrcostajr.blog.uol.com.br/



terça-feira, 1 de novembro de 2011

Um Homem Chamado Lula


Lula, o desrespeito e a esperança O tal do brasileiro é uma raça desgraçada. A internet democratizou a ignorância. Assim como um mais um é igual a dois, estava na cara que não demoraria até que o câncer na laringe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pusesse em ebulição uma das raças mais nefastas dos tempos a...tuais: o internauta com diarreia verbal crônica. O instinto cafajeste do brasileiro encontrou nas redes sociais uma ferramenta perfeita pra disseminação de imbecilidades. A pérola da vez pede a Lula pra ele se tratar no SUS, e não no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Isso porque, certa vez, o então mandatário brasileiro alardeou que nosso sistema de saúde pública era bom. O idiota de plantão, então, põe o teclado em riste. Maldiz aqui, distorce um pouco ali, inventa um bocado acolá e pronto. Iluminado e sob um véu que encoraja e cega, ele cria uma sentença que julga crítica, sarcástica, irônica e, sobretudo, polêmica. Sabe que, como ele, há outros milhares de imbecis no Brasil, burros e simplistas, pra servir de eco. A internet, se não desfez o mito do brasileiro solidário, nos apresentou o brasileiro rancoroso, extremista, insensível. Decerto quem teve esta grande ideia de tripudiar em cima do drama do ex-presidente não usa o SUS. O que compartilhou, retuitou, curtiu, repercutiu também não. O crítico de poltrona, aquele que acha que vai mudar o mundo e fazer um Brasil melhor sem sequer arregaçar as mangas da vida, ignora ou desconhece a história deste pernambucano. Lula é muito mais que uma declaração talvez equivocada sobre o SUS, bem mais que uma interpretação maldosa de quem usa uma frase fora de contexto apenas pra vomitar asneiras e desrespeitar. Lula é o sétimo filho de uma família de oito irmãos que viu a morte de perto desde cedo, que passou a vida sabendo que nossa saúde estatal é deficiente, que perdeu a esposa grávida de oito meses do primogênito num hospital público. Mas ele não usava o conforto de um teclado de computador pra defender suas verdades. Lula é o cara que trocou o pau de arara pelo carro presidencial. É o homem que foi oprimido, reprimido, humilhado, trapaceado, que assumiu a presidência bradando o sonho de erradicar a pobreza. É o líder que quebrou paradigmas, que fez o PIB crescer quase o dobro de seu antecessor, que reduziu a taxa de desemprego quase à metade do governo anterior, que se desgarrou do FMI, que distribuiu a renda, que criou 11 universidades federais, que olhou no olho do pobre como nunca na história deste país um presidente tinha olhado. Lula é muito mais que os erros de sua gestão, que a sujeira com que se deparou em seu governo, que a desilusão de alguns partidários, que o maniqueísmo tolo de quem continua vendo política sobre o anacronismo de direita e esquerda. Lula é muito mais que um câncer na laringe. (Wagner Sarmento, jornalista e boleiro)