terça-feira, 22 de maio de 2012

Nei Leandro de Castro, 50 anos em 50


Em 1961, por uma dessas conjunções astrais favoráveis, uma dádiva divina, ou por puro e feliz acaso, um homem nascido em Caicó, mas que adotou Natal e o Rio de Janeiro como lares, decidiu colocar no papel uma palavra após a outra com criatividade, lirismo, picardia e encanto. Surgia ali, nos longínquos anos 60 do século passado, uma das mais férteis e valiosas produções literárias potiguares.

Este homem, que começou com o livro de poesias “O pastor e a flauta” e que continua nos brindando com publicações e reedições de alguns livros que já se tornaram verdadeiros clássicos da literatura potiguar, acaba de completar 5 décadas de incessante produção. Fato este que passaria despercebido a todos nós, não fosse o olhar atento de três novos pesquisadores de ótima cepa: Thiago Gonzaga, Fátima Lima Lopes e Chumbo Pinheiro.

Eles resolveram unir esforços e produzir este belo registro da vida e obra do pai do ex-guarda-livros Araújo, convertido em Ojuara, possivelmente um dos mais emblemáticos personagens da ficção norte- rio-grandense. O resultado de muito trabalho, pesquisa e entrevistas é o que você tem agora em mãos. Um material riquíssimo para servir de consultas e que tem a nobre missão de preservar a memória deste Estado tão negligente com seus filhos ilustres.

O livro é composto por bibliografia, cronologia e por diversos registros de imagens de Nei Leandro. Seu lançamento agora, na ocasião em que o autor completa meio século de obra literária não poderia vir em momento mais oportuno. Trata-se de uma bonita e merecida homenagem a Nei e a todos nós, seus leitores, que também temos o direito de celebrar a data.

Acredito, inclusive, que o melhor deste livro é o fato de ele não ter um final. Está inconcluso porque Nei continua aí, produzindo, escrevendo, vivo e se mexendo. Crônicas, poemas e romances seguem sendo criados e, a julgar por suas últimas produções (como “A fortaleza dos vencidos” de 2009), o tempo e a prática incessantes das últimas 5 décadas só têm feito bem ao escriba e suas letras.

Parabéns a Nei pelo feito.
Obrigado pelo convite de cometer esta mal traçada orelha.
Boa leitura a todos.

Carlos Fialho



Os Organizadores:
   Luís Pereira da Silva que assina com o pseudônimo de Chumbo Pinheiro, é servidor público, nascido em Natal. Graduado em História pela UFRN, atualmente, cursa Ciências Sociais na mesma instituição. Como poeta publicou o livro A Tua Mão (2001) e participou da terceira antologia da SPVA (2003). É colaborador do blog 101 livros do RN.
         Fátima Lima Lopes nasceu em Natal, cursa Letras na Universidade Potiguar e participa do grupo PET (Programa de Educação Tutorial) de Literatura do Rio grande do Norte da mesma universidade. É colaboradora do blog 101 livros do RN.
          Thiago Gonzaga, nascido em Natal, é servidor público municipal e graduado em Letras. Como pesquisador da literatura do estado, criou o blog: 101 livros do RN (que você precisa ler), onde divulga toda literatura potiguar na Web.

Serviço:
Lançamento terça-feira dia 29 de maio  2012
a partir das 19h no Pátio do Teatro Alberto Maranhão

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Dom Quixote no Rio Grande do Norte Por João da Mata Costa





A figura do mítico cavaleiro da triste figura inspirou artistas no mundo inteiro e muitos romances, peças de teatro, balés, óperas, filmes e canções foram feitas inspiradas na saga do cavaleiro manchego. No Rio Grande do Norte são muitos os artistas plásticos e escritores apaixonados pelo Quixote. Câmara Cascudo escreveu prefácio para uma edição do Quixote publicada no Brasil em cinco volumes pela Editora José Olympio. Nesse prefácio, o polígrafo potiguar observa como o Dom Quixote vive através de usos e costumes brasileiros, em adágios, provérbios e frases feitas, tal como vivera em sua jornada valente na Espanha do séc. XVII. Muitos desses adágios e provérbios ainda são muito citados no Brasil. “Uma andorinha só na faz verão”. “Dize-me com quem andas que eu te direi que és”, etc. O escritor Edgar Barbosa escreveu um belo ensaio sobre o Quixote. O poeta Luiz Carlos Guimarães era um apaixonado pelo Quixote e escreve poesia em sua homenagem. Ele emprestou uma edição do Quixote ao pintor Assis Marinho para servir de inspiração e pediu para que pintasse um quadro baseado na novela cervantina e no seu principal personagem. O resultado é que Assis Marinho já pintou o cavaleiro sonhador e seu criador em mais de um milhar de belos quadros utilizando diferentes técnicas. O Quixote ficou sendo o principal motivo de inspiração para um dos maiores artistas do estado do RN. O poeta e pintor Newton Navarro também pintou alguns quadros imortais da mais celebre dupla da literatura: Dom Quixote e Sancho Pança. O grande Dorian Gray pintou uma serie de Quixote por ocasião do 4º centenário da 1ª edição do livro lançado em 1605. Outros grandes pintores do nosso estado ficaram fascinados pela história e pintaram ao seu modo o Dom Quixote. São belos e únicos os Quixotes de Marcelus Bob e Fabio Eduardo. Parte desse acervo pode ser apreciado na exposição na Galeria Newton Navarro da Fundação José Augusto em homenagem ao Quixote que fica aberta até o final desse mês. Há dez anos comemoramos em Natal o dia mundial do livro em homenagem a Cervantes e ao Santo Guerreiro. Afinal, Cervantes e “Sant Jordi” são muito influentes na nossa cultura e as aventuras do Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança é tema permanente de inspiração para nossos artistas e escritores. É em homenagem a Cervantes, ao dia mundial que montamos essa exposição para comemorar mais um Quixote com Rosas. Na exposição na Galeria Newton Navarro na Fundação José Augusto ainda podem ser apreciados os quadros de alguns artistas norte-rio-grandense, esculturas e edições raras e famosas do célebre livro Dom Quixote de la Mancha. Entre os artistas presentes na mostra estão Assis Marinho, Ojuara e Edvaldo. Também pintaram e desenharam o Quixote os artistas Valderedo, Pantoja, Alcides, Mano, Marconi Ginanni e outros.  O artista plástico Guaraci Gabriel, conhecido por suas grandes esculturas, produziu um Quixote utilizando carcaças de automóveis que foi chantada no Distrito de Estremoz na BR 101 – RN. O Dom Quixote é um romance que dá margens a muitas leituras e cada artista faz a sua leitura. Mesmo quem nunca leu o livro na sua integridade tem conhecimento da personagem, que se transformou num mito.  Anchieta Rolim é outro grande artista e são belas as suas geoformas. Amigo e poeta resolveu me presentear com um lindo Quixote utilizando uma técnica mista que mistura argila com resina. Uma peça única que entra para a galeria da minha coleção e fará parte da iconografia quixoteana do planeta apaixonado pelo grande fidalgo e homem de rigorosos costumes e ética inabalável. Obrigado Rolim. Obrigado a todos os artistas da minha terra que bem souberam captar a essência do nobre cavaleiro. O Quixote chega aqui na literatura de cordel, frequenta as feiras, praias, come melancia e faz reviver o ideal daqueles que lutam pela liberdade.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Gilberto Freyre e Casa-Grande & Senzala: historiografia & recepção - Por Alex de Castro








Quase oitenta anos após sua publicação, Casa Grande & Senzala continua sendo, ao mesmo tempo, um livro fácil e um livro dificílimo: fácil pelo estilo leve e coloquial de Freyre, que o coloca ao alcance de qualquer leitor médio em busca do prazer da leitura; difícil, dificílimo, pois a própria oralidade da linguagem, e a tendência freyreana de pensar em termos de “antagonismos em equilíbrio”, tornam Casa Grande & Senzala uma obra repleta de ambiguidades que, a todo momento, traem e enganam um leitor acadêmico que tente “isolar” os pensamentos e opiniões de Freyre. Em Casa Grande & Senzala, muitas vezes a afirmação vem seguida da sua negação, e vice-versa, e assim sucessivamente, “fazendo com que a cada avaliação positiva possa se suceder uma crítica … que acaba por dar um caráter antinômico à sua argumentação.” (Benzaquen)
No momento do seu lançamento, diz Antonio Candido, é difícil de se avaliar a enormidade do impacto da obra: “sacudiu uma geração inteira, provocando nela um deslumbramento como deve ter havido poucos na história mental do Brasil.” Monteiro Lobato compara sua publicação à chegada do cometa Halley – que foi muito mais impressionante em 1910 do que em 1986, cabe dizer, ou não se entenderá a comparação. Freyre oferece uma versão totalmente nova da História do Brasil, varre do pensamento brasileiro a noção de racismo científico e interpreta positivamente tanto a contribuição negra quanto a mestiçagem.
Em breve, porém, acadêmicos marxistas ligados à USP, como Florestan Fernandes, Caio Prado Jr, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Antonio Candido, começam uma crítica sistemática às idéias de Freyre. Nas palavras de Gabriel Cohn, em oposição à visão patriarcal, “de cima”, mais culturalista e antropológica, de Freyre, propõem uma perspectiva plebéia, “de baixo”, mais sociológica e econômica. À leitura de Freyre, focada na singularidade cultural e racial do Brasil, Florestan Fernandes contrapõe uma leitura que enfatiza a participação do país nas grandes correntes históricas ligadas à expansão do capitalismo mundial. Ainda segundo Cohn, apesar da rivalidade entre elas, essas visões seriam mais complementares do que propriamente excludentes.
Entretanto, para debater ou refutar Freyre, primeiro era necessário defini-lo e enquadrá-lo, uma tarefa dificílima em se tratando de um autor tão ambíguo e escorregadio, sem afiliações acadêmicas, e capaz de chamar para si quase todos os rótulos sem jamais colar-se a eles. Carlos Guilherme Mota, por exemplo, em quase desabafo, nota que Freyre desenvolveu uma série de “mecanismos e artifícios” para não ser facilmente localizável: se colocar como sociológo ao mesmo tempo em que diz fazer anti-ciência; se definir como liberal, mas criticar os liberais; se afirmar um revolucionário, mas um revolucionário conservador; e por fim, se classificar simplesmente como “escritor”, o que, de acordo com Antonio Candido, é uma “teima” que serve apenas para indefinir suas verdadeiras coordenadas. Já pode-se ver o enorme incômodo que Freyre causava em uma parcela da academia: Mota, ao usar a palavra “desenvolver”, e Cândido, “teima”, praticamente sugerem que o estilo sincrético, paradoxal e iconoclasta de Gilberto Freyre seria não um reflexo legítimo de sua personalidade, mas somente “mecanismos e artifícios”, nas palavras de Mota, propositalmente criados para ludibriar seus adversários. Começa aqui a história das desleituras da obra de Freyre.
Com o passar dos anos, Freyre realmente sofre uma guinada conservadora: na década de sessenta, manifesta seu apoio às ditaduras do Brasil e de Portugal e começa, enfim, a utilizar o termo “democracia racial” – originalmente criado por Roger Bastide e que jamais aparece em Casa Grande & Senzala ou Sobrados & Mucambos. Entretanto, as posições conservadoras posteriores de Freyre são progressivamente projetadas em seus trabalhos anteriores, até o ponto de ser praticamente um truísmo (falso) que “Casa Grande & Senzala é o livro que defende/começa/define/promove/apresenta/etc a tese da democracia racial”.
Entre as décadas de sessenta e oitenta, quanto mais conservador Freyre se afirma, mais a crítica marxista a ele torna-se compreensivelmente feroz. Pode-se dizer que, durante esses anos, seu prestígio acadêmico esteve no nível mais baixo: quando Stuart Schwartz escreve seu seminal Segredos Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial, seu objetivo original era simplesmente provar que “visão doce” que Freyre tinha da escravidão estava equivocada. Dante Moreira Leite parece fazer o epitáfio intelectual de Freyre quando afirma que sua posição parecia então [1969] inevitavelmente datada e anacrônica, identificando-o com os grupos mais conservadores e afastando-o dos intelectuais mais criadores. E conclui: Casa Grande & Senzala entretém mas não explica e, na verdade, por sua fórmula ensaística e universalista, encobre o problema real das relações de dominação no Brasil. Antonio Candido, como que curado do impacto que sofreu com a obra, desdenha: Casa Grande & Senzala não é uma interpretação do Brasil, mas uma autobiografia. Com a morte de Freyre em 1987 e a queda do muro de Berlim em 1989, entretanto, os ânimos começam a esfriar e Freyre pôde ser lentamente apropriado pela academia.
Em 1995, estudando História do Brasil, na PUC-RJ, recordo-me perfeitamente do professor que nos apresentou a Casa Grande & Senzala como um livro que há algum tempo não era ensinado e que “agora estava voltando”, pois era importante para a evolução do pensamento brasileiro, embora reacionário, conservador, ultrapassado, etc. É possível que a súbita popularidade de Freyre nessa universidade tenha se dado graças ao lançamento, no ano anterior, de Guerra e Paz. Casa Grande & Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos Anos 30, por um professor da casa, Ricardo Benzaquen de Araújo, provavelmente o melhor livro acadêmico sobre Freyre. Voltaremos ao livro de Ricardo ao final desse ensaio; basta dizer que a década de noventa marca a “retomada freyreana”, na feliz colocação de Christopher Dunn.
Uma vasta gama de pensadores, personalidades e pesquisadores tem redescoberto e reutilizado Gilberto Freyre, desde o ex-ministro da cultura Gilberto Gil, tentando aumentar a mestiça auto-estima nacional, até a antropóloga Yvonne Maggie, uma das faces mais visíveis da luta contra a adoção de cotas raciais no Brasil. Apesar disso, a produção brasileira mais recente, em livro, não parece estar à altura do tema. Gilberto Freyre e a Invenção do Brasil (2000) e Gilberto Freyre e o Idéario Brasileiro (2005), de Roberto Cavalcanti de Albuquerque e Odilon Ribeiro Coutinho, são somente panegíricos freirianos, listagens dos elogios que ele recebeu e respostas aos seus críticos. Pelo menos, não escondem suas lealdades: no primeiro, o autor já afirma na orelha que foi amigo de Freyre por 30 anos e o segundo apresenta uma foto de Freyre com o autor na contracapa. A Construção da Brasilidade. Gilberto Freyre e sua Geração (2001), pelo respeitado historiador Vamireh Chacon, fala pouco sobre “a construção da brasilidade” mencionada no título, e contém pouca ou nenhuma análise sobre a obra freyriana: trata-se de um estudo documental sobre o impacto e as leituras de Casa Grande & Senzala, antologizando resenhas, correspondência e controvérsias: decepciona como trabalho acadêmico, mas pode tornar-se uma boa fonte primária. Gilberto Freyre, Um Vitoriano nos Trópicos (2005), de Maria Lúcia Pallares-Burke, é um trabalho acadêmico de peso mas talvez com um recorte excessivamente estreito: a influência de autores ingleses na formação intelectual de Gilberto Freyre até Casa Grande & Senzala. Por fim, mais interessantes, três coleções de artigos trazem contribuições inovadoras à pesquisa freyriana no século XXI: Gilberto Freyre e os Estudos Latino-Americanos (2006), organizado por Joshua Lund e Malcolm McNee, O Imperador das Idéias. Gilberto Freyre em Questão (2001), organizado por Joaquim Falcão e Rosa Maria Barbosa de Araújo, e a edição crítica de Casa Grande & Senzala da Coleção Archivos (2002), organizada por Guillermo Giucci, Enrique Rodriguez Larreta e Edson Nery da Fonseca.
Também no exterior, acadêmicos têm se debruçado sobre Gilberto Freyre, em novos livros como Colonialism and Race in Luso-Hispanic Literature (2006), de Jerome Branche, White Negritude. Race, Writing and Brazilian Cultural Identity (2008), de Alessandra Isfahani-Hammond e a coletânea de artigos The Masters and the Slaves. Plantation Relations and Mestizaje in American Imaginaries (2005), editado pela mesma autora. Essa mais recente produção norte-americana tem feito fortíssimas críticas a Freyre, partindo não mais de bases marxistas ou materialistas históricas, mas dos estudos culturais, pós-coloniais e afro-americanos.
O livro de Branche exemplifica bem essa nova variação de uma antiga maneira de desler a obra de Freyre: é uma análise de raça enquanto narrativa no cânone luso-hispânico, desde o século XV até o presente, buscando por instâncias de traços racistas, mesmo que atenuados e suavizados, no discurso dominante. Naturalmente, Branche também se debruçou sobre Freyre: ele aponta que o próprio título Casa Grande & Senzala, com sugestões de inerentes hierarquias sociais, raciais e sexuais, desmente as teorias freyrianas de relações sociais e raciais harmoniosas. Continua Branche: as referências à casa-grande e à senzala já remeteriam a um espaço de dominação econômica e política, com potencial inerente de coerção e brutalidade; além disso, a referência ao patriarcado no subtítulo (“Formação da Família Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal”) também evocaria toda a dominação patriarcal masculina branca do senhor de engenho sobre suas escravas, filhas e esposas.
Naturalmente, a explicação verdadeira pode ser rigorosamente oposta: dado que o próprio título Casa Grande & Senzala enfatiza as hierarquias sociais, raciais e sexuais do Brasil Colônia, então talvez seja Branche quem fez uma leitura equivocada do livro, ao atribuir a ele idéias que o próprio Branche reconhece que são desmentidas pelo título! Talvez, ao contrário do que Branche parece apressadamente concluir, colocar a palavra “patriarcado” no subtítulo de um trabalho de História não signifique necessariamente celebrar esse patriarcado, mas denunciá-lo, entendê-lo, estudá-lo. A precariedade da leitura de Branche, que ao mesmo tempo registra em Freyre a presença das ausências que aponta, é explicitada no seguinte trecho, sintomático de uma des-leitura bem comum de Casa Grande & Senzala. Vale a pena a citação longa, pois é flagrante como uma frase desmente rigorosamente a frase anterior:
“Freyre’s authorial ambivalence emerges again as he identifies slave children as indispensable playmates of the off-spring of the slave-owning class, while they are also seen as a source of moral and physical corruption for them. Slave boys teach their young masters obscene language, and the slave girls introduce them to sex and often to syphilis. The repeated image of interracial childhood interaction in Masters and the Slaves, as putative metaphor for racial democracy among the young by way of the effect of affect, is by no means watertight. Its purported sincerity is exploded by the sadism that often characterizes the relationship between the young slave owner’s son and his black slave companion and in his ininhibited sexual access to black and mulatto girls at the onset of puberty. In fact, the unenvenness of such relationships is vividly depicted by Freyre’s nonchalant reference to the belief among diseased young males of the slave-holding class that having sex with a twelve- or thirteen-year-old virgin would cure their syphilis.”
O trecho é tão contraditório que quase poderia ter sido escrito por Freyre e ser um exemplo do seu estilo de “antagonismos em oposição”. Nas primeiras duas frases, Branche chama a atenção para as várias descrições de exploração sexual de crianças brancas sobre negras e mulatas em Casa Grande & Senzala, algo que não se esperaria em um livro que, como ele parece acreditar, promove a “democracia racial”, mas Branche não vê a contradição em seu próprio argumento. Na terceira frase, o autor comenta que essa interação sexual infantil forçada “não funciona como metáfora da democracia racial” – mas não se sabe de onde ele tira que essas relações de estupro e dominação poderiam jamais ser consideradas metáforas de qualquer tipo de democracia racial. Aparentemente, ele acredita que Freyre diz isso, mas não cita onde. Por fim, na quarta e quinta frases, Branche se contradiz de novo e lista várias ocasiões em que Freyre, mais uma vez, descreve os crimes sádicos das relações sexuais entre senhores e escravos, sem jamais parecer compreender que são essas descrições, entre outras coisas, que comprovam que Casa Grande & Senzala não defende que o Brasil Colônia fosse um paraíso racial.
Poderíamos nos perguntar: se o livro descreve tantos horrores da relação entre senhores e escravos, como pode promover a democracia racial? Se promove a democracia racial, por que incluir tantos e longos trechos sobre sadismos, torturas, estupros? A leitura de Branche, que já escreve buscando o racismo disfarçado do discurso oficial, é sintomática da forma mais comum de desleitura freyreana: é impressionante a quantidade de atrocidades, torturas e estupros que um leitor precisa relevar ou esquecer para fechar Casa Grande & Senzala e tachá-lo de livro “promotor da democracia racial”.
Também não está se tentando aqui glorificar ou defender Gilberto Freyre – pecado de parte da bibliografia atual. Naturalmente, se Branche buscava pelo racismo subjacente ao discurso oficial, mesmo se atenuado ou suavizado, ele poderia encontrar muitos exemplos em Casa Grande & Senzala – somente não os que ele cita – e não apenas aí, mas em toda a produção literária brasileira até então. Por exemplo, quando Gilberto Freyre escreve que todo brasileiro,
“mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo … a sombra … principalmente do negro. … Em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer…”,
não há dúvida de que se trata de uma operação de exclusão, ainda que presumivelmente bem-intencionada. O negro, apesar de tão valorizado no texto, é claramente excluído da categoria “todo brasileiro” ou mesmo do “nós”. Ele é quem está fora, ele é a “sombra”. Ele “nos” dá de mamar, justamente por não ser parte desse “nós”: é externo a ele, está fora de nós. Aliás, a primeira pessoa do plural é sempre complexa na prosa freyriana, mais um exemplo da ambiguidade que dificulta sua assimilação pela academia: para Gilberto Freyre, “nós” pode ser desde “brasileiros brancos descendentes de senhores de engenho nordestinos” até “brasileiros brancos, mas sem incluir negros e índios”, passando inclusive por “todos os cidadãos brasileiros”. É a proliferação do primeiro “nós” que permite que Antonio Cândido, não sem alguma razão, classifique Casa Grande & Senzala como autobiografia.
O que muitas vezes falta aos autores que embarcam em críticas semelhantes contra Freyre é a contextualização de quão pouco racista o seu discurso era, em comparação ao discurso contemporâneo e anterior. Aos nossos ouvidos politicamente corretos de começos do século XXI, um autor dizer que todo brasileiro mamou em tetas negras pode parecer somente uma operação de exclusão. Em 1933, “sacudiu uma geração inteira”, nas palavras de Cândido. Pinçar racismos aqui e ali na prosa ambígua de Gilberto Freyre é muito fácil; fazê-lo sem contextualizar o impacto de sua obra na atmosfera racista de então é má-fé acadêmica.
Recentemente, alguns intelectuais brasileiros têm revalorizado a contribuição de Freyre, especialmente no sentido de superar o racismo científico e estabelecer a democracia de raças como um ideal a ser atingido. Hermano Vianna ataca o “mito do mito da democracia racial”, muito em voga entre brazilianistas, segundo ele, e que teria se originado de “uma leitura apressada, tendenciosa e burra” de Casa Grande & Senzala:
“como dizer que CG&S criou uma imagem idílica da sociedade colonial se, logo no prefácio de sua primeira edição, aprendemos que os senhores mandavam ‘queimar vivas, em fornalhas de engenho, escravas prenhes, as crianças estourando ao calor das chamas’…?”
Vianna também considera que o melhor do Brasil seja nossa valorização da mestiçagem, que não seria sinônimo de defender a idéia de vivermos em uma democracia racial.
Já em A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros (2007), de Antonio Risério, a presença de Gilberto Freyre é sentida em cada página, mesmo quando não mencionado. Em muitos trechos, Risério parece literalmente incorporar Freyre:
“Quando falo de sociedade urbana convivial, não estou me referindo a uma sociedade harmônica, sossegada, entregue à sua própria placidez. Não me refiro sequer a um espaço social onde os conflitos se apresentassem de forma atenuada. Em outras circunstâncias, estes esclarecimentos seriam dispensáveis, mas o ambiente brasileiro não se encontra hoje, mentalmente, em condições normais de temperatura e pressão. Parece até que as pessoas estão fazendo questão de parecer burras. Daí o didatismo e a redundância a que somos obrigados.”
Neste livro, Risério busca entender dois fenômenos fundamentais do Brasil: a mestiçagem e o sincretismo, resgatando-os e valorizando-os. Sobre a democracia racial, ele aponta que o próprio impacto e recepção de Casa Grande & Senzala provaram não ser o Brasil uma democracia racial, mas essa tornou-se uma das grandes aspirações nacionais. De certo modo, à sua maneira, mesmo sem inventar a expressão “democracia racial” ou usá-la em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre deu ao país o seu “Brazilian Dream”. E, desde que não seja usada conservadora e reacionariamente, como uma desculpa para alienação política, como uma realidade que o Brasil já alcançou, qual é o problema da “democracia racial” como projeto, como sonho, como aspiração? Será algo tão ruim assim? Não será essa, talvez, a maior contribuição do Brasil à cultura mundial? E fecha o livro com a frase: “Cumpre, portanto, fazer com que o mito se encarne na história.”
Por fim, como já foi dito, talvez o melhor livro acadêmico sobre Freyre nas últimas décadas tenha sido Guerra e Paz: Casa-Grande e Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos Anos 30, de Benzaquen. Fugindo de interpretações fáceis de Gilberto Freyre, sem nem pinçar seus trechos mais felizes para endeusá-lo, nem seus piores deslizes, para pintá-lo como um ideológo reacionário, Benzaquen foi direto ao cerne do estilo freyriano, à sua característica talvez mais difícil: seus “antagonismos em conflito”, “sua heterogeneidade”, “sua imprecisão”, que seria “um dos componentes mais importantes de Casa Grande & Senzala”, “fornecendo valiosas pistas para a compreensão de alguns dos seus mais importantes propósitos”.
Em suma: a parte constitutiva do pensamento freyriano seria justamente a imprecisão que Mota havia desdenhado como “mecanismo e artifício”. Para Benzaquen, o pano de fundo de Casa Grande & Senzala é o realce dado por Gilberto Freyre ao caráter despótico e mesmo brutal de nossa tradição patriarcal, capaz de permitir uma certa dose de intimidade entre grupos sociais divergentes sem que isso cancelasse ou sequer diminuísse a desigualdade e a opressão embutidas em seu relacionamento. Depois de listar alternadamente alguns trechos sobre sadismo e sobre confraternização entre brancos e negros, dando a impressão de uma certa esquizofrenia autoral por parte de Freyre, Benzaquen dá o passo que Branche, e outros críticos, não deram:
“CGS dá a impressão de ter sido escrito justamente para acentuar a extrema heterogeneidade que caracterizaria a colonização portuguesa, ressaltando basicamente a ativa contribuição de diversos e antagônicos grupos sociais na montagem da sociedade brasileira.”
Assim como, na sociedade, diversos opostos conseguem conviver de lado a lado, em amálgama tenso mas equilibrado, Gilberto Freyre, ao vencer a desconfiança fundamental que o pensamento ocidental nos ensinou a manter quanto à contradição, também consegue reunir elementos antagônicos sem se preocupar com sua síntese ou com o estabelecimento de mediação entre eles, fazendo assim desse relativo louvor da ambiguidade o ponto central e decisivo de sua reflexão. O estilo de Freyre era um modo concreto de trazer para a escrita parte da instabilidade, ambiguidade e excesso que caracterizavam a sociabilidade da casa grande.

fonte: http://alexcastro.com.br/gilberto-freyre/

terça-feira, 15 de maio de 2012

As farpas literárias – o caso Machado de Assis por João da Mata Costa




Em lugar nenhum há tantos e tontos vaidosos homens como nas letras. A
vaidade de alguns consegue limitar o seu universo em poucos e pouquíssimas
trouvailles repetidas á exaustão.  Difícil uma unanimidade quando não se
consegue auferir com precisão uma determinada coisa. Só o tempo é soberano
e saberá separar o joio do trigo. Nem o maior escritor brasileiro, Machado
de Assis, ficou imune a críticas desfavoráveis e injustas.   Guimarães
Rosa foi ferino ao referir-se a Machado : “Não pretendo ler mais Machado
de Assis, a não ser seus afamados contos. Talvez também o começo de Dom
Casmurro, do qual já li critica que me despertou curiosidade. ( …). Por
vários motivos: acho-o antipático de estilo, cheio de atitudes para
embasbacar o indígena; lança mão de artifícios baratos, querendo forçar a
nota da originalidade; anda sempre no mesmo trote pernóstico, o que torna
tediosa a leitura. Quanto as ideias, nada mais de que uma desoladora
dissecação do egoísmo e, o que é pior, da mais desprezível forma do
egoísmo: o egoísmo dos introvertidos inteligentes.” ( Os cadernos do
cônsul Guimarães Rosa in Cadernos da Literatura Brasileira IMS pp. 83-84)
.
Apesar de algumas críticas, ninguém ousa questionar o escritor de gênio
que o tempo só faz consagrar. Bom que conheçamos as críticas favoráveis e
desfavoráveis para saber que a literatura é feita por gente e para gente.
E que a crítica é necessária, mesmo que muitas vezes falha. Os apologistas
algumas vezes fazem uso de uma pena banhada no fel das vicissitudes de uma
época, de um capricho, de uma estética ou da incompreensão própria do
humano.

O escritor e crítico literário sergipano Sílvio Romero ( 1851 – 1914) foi
um dos maiores escritores brasileiros da belle époque brasileira. A vida
literária era, para Romero, uma eterna arena. Em sua época as polemicas
literárias eram acirradas. Em 1909, encerrou uma polemica de três anos com
o também crítico José Veríssimo. Atacou Castro Alves e Valentim Magalhães,
quando da posse de Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Letras.
Silvio foi um grande pesquisador do folclore e da literatura popular.
Pioneiro em reconhecer a mestiçagem como elemento importante na formação
da identidade nacional. Foi mais um crítico cultural, que literário. Como
crítico literário se equivocou muitas vezes. Em sua monografia “ Machado
de Assis (1897)”, o crítico ataca o bruxo de Cosme Velho e comete
injustiças. Para Sílvio Romero, Machado, com seu “pessimismo de pacotilha”
e seu “humorismo de almanaque”, não traria nada de novo para a literatura
brasileira e nem contribuiria para a sua linha evolutiva. Seu conterrâneo
Tobias Barreto é superior a Machado, continua vociferando o crítico
sergipano.  Parece que foi para Romero que Machado escreveu: “Ninguém sabe
o que sou quando rumino”. Silvio parecia está replicando o que Machado
anteriormente falou de sua poesia: “um documento de aplicação, mas não dar
a conhecer um poeta”. E continua Silvio: ”Machado de Assis repisa, repete,
torce, retorce tanto suas ideias e as palavras que as vestem, que
deixa-nos a impressão de um eterno tartamudear. Esse vezo é o resultado de
uma lacuna do romancista nos órgãos da palavra.” ”Em prosa falada ou
escrita, no estilo fluente, imaginoso, poético, e no gracioso e
humorístico, Machado de Assis não é superior a Tobias Barreto; é-lhe
sempre inferior”.
Outro grande critico literário da primeira metade do século passado foi  o
 temível Agrippino Grieco. Escreveu dois livros com duras críticas a
Machado. Machado de Assis (1959) e Viagem em torno de Machado de Assis
(1969). Nesses livros, Grieco crítica violentamente a poesia de Machado.
Diz que seus contos não chegam à preeminência do romancista. Analisa
minuciosamente as possíveis influências machadianas e – até mesmo,
plágios. Não bastasse todo esse ataque o mordaz crítico de “Carcaças
Gloriosas” ainda compilou todas as críticas desabonadoras ao grande
escritor. O que mostra como até mesmo um grande crítico pode se equivocar.
Muitos desses erros foram apontados pelo Augusto Meyer (Textos críticos,
Editora Perspectiva, 1982). Críticas compiladas por Agrippino Grieco: “Uma
natureza sem generosidade”.  “Obra monótona e desfigurada pelo vício da
acrobacia humorística superficial”.  “O pudor do poeta às vezes era quase
“pusilanimidade espiritual”. “Romances para romancistas, literatura para
literatos.” Analisando as críticas a Machado de Assis acima referidas só
podemos dizer, nós machadólatras, que eles se enganaram. Machado é eterno.
O tempo só confirma a sua genialidade de criador de tipos inesquecíveis.
De uma prosa e verve primorosa. Um dos maiores estilistas da língua
portuguesa. Escritor de humor refinado. Um assombro no século XIX
brasileiro, quando se pensa no grau de incipiência da nossa literatura
nessa época.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Nem toda nudez será castigada


RAFAEL DUARTE
▶ rafaelduarte@novojornal.jor.br
A cada dia me convenço mais de que o Rio Grande do Norte é mesmo uma senhora potência e, muito em breve, ganhará as vitrines das lojas como a grande referência mundial. Ditaremos a moda das próximas quatro estações. Vai por mim, é questão de tempo. Vivemos num estado onde o secretário não fala no feriado, a prefeita manda prender um boneco e o marido da governadora é mais notícia que a mulher.
Um estado cuja capital tem dois clubes de futebol, mas que se dará ao luxo de ter três estádios na mesma cidade onde há um hospital de referência em urgência e emergência incapaz de atender a própria demanda. Você vai dizer que o Rio Grande do Norte é maior que tudo isso. Só não parece caber nos limites de sua própria incoerência.
Muita gente tomou um susto quando, na última semana, a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão demitiu a professora Ana Carolina Vieira. O pecado da bailarina foi se apresentar nua no teatro. Era Dia Mundial da Dança. Carolina disse ao repórter Pedro Vale deste Novo Jornal que não queria provocar. O desejo era dançar, apenas isso. A nudez da menina, 21 anos de idade, fazia parte do cenário nu do espetáculo. “O figurino era minha pele”, explicou. Diretora da EDTAM e responsável pelo afastamento da bailarina, Wanie Rose disse que foi pressionada pelos pais e mães das alunas, que ficaram horrorizadas com a cena.
Não faz muito tempo, um espisódio semelhante aconteceu no mesmo palco do Teatro Alberto Maranhão. O Governo do Estado trouxe o dramaturgo paulista José Celso Martinez Correia para celebrar o Dia Mundial do Teatro.
O diretor é conhecido tanto pela polêmica dos textos que monta como por se apresentar do jeito que veio ao mundo. Nu artístico em pêlo, diz. Para Martinez, a nudez é uma forma de quebrar tabus. Na visão do repórter Renato Lisboa que cobriu a aula/palestra, um exercício para criar um ambiente de naturalidade entre os atores.
É curioso como os dois casos foram tratados de maneira tão distinta pelo mesmo Estado. Em março o governo convida um diretor que, como já se sabia, ficaria nu em algum momento da oficina. Um mês depois afasta uma professora cuja nudez fazia parte do figurino da dança. Essa semana, conversando com dois amigos, não houve consenso sobre a história. Um chamou a atenção para a caretice dos pais que não souberam entender a nudez como arte na dança da bailarina; o outro lembrou que o público dos dois episódios era diferente e que, por isso, a nudez de Ana Carolina chocou mais que a de Zé Celso.
O que me parece claro é a incapacidade da sociedade entender a nudez como uma expressão de arte. Ainda enxergamos o nu ou como um tabu ou como um produto de massa que só pode ser consumido quando embalado para presente nas novelas da Globo.
Nelson Rodrigues dizia que se todos conhecessem a intimidade sexual um dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém. Errou apenas quando escreveu que toda nudez será castigada. No Rio Grande do Norte ninguém sabe o que vai acontecer.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Alice N. conta tudo





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